quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fibras

Qual o impacto da baixa ingestão de fibras na qualidade de vida?


Fibras dietéticas são consideradas alimentos funcionais, pois apresentam benefícios para a manutenção da saúde e prevenção de doenças. Abrangem grande variedade de substâncias com baixa digestibilidade e podem ser classificadas segundo sua solubilidade em água: sendo solúveis e insolúveis. Fibras solúveis incluem pectinas, goma guar, mucilagens e algumas hemiceluloses e entre as fibras insolúveis encontram-se celulose, hemicelulose e ligninas (1).

O consumo de fibras do tipo solúvel, que apresentam maior viscosidade, contribui para a diminuição dos níveis plasmáticos de colesterol e auxilia na normalização dos níveis sangüíneos de glicose e insulina (1,2). As fibras solúveis e insolúveis são fermentadas no intestino grosso, promovem efeito laxativo e são componentes dietéticos importantes que podem ser utilizados no controle de desordens intestinais, como obstipação, prevenção de diverticulose ou diverticulite (2).

Ambas são nutrientes importantes na regulação intestinal. Quando ingeridas em quantidades adequadas são benéficas para estimular a laxação normal, promover uma digestão adequada (pois a refeição é processada mais lentamente e a absorção de nutrientes ocorre num período de tempo maior) e conferir sensação de saciedade. As fibras são poderosas ferramentas na manutenção da função do trato gastrintestinal (2).

O consumo de fibras solúveis também tem sido relacionado com o cálcio. Alguns autores relatam que a oligofrutose e inulina aumentam a captação de cálcio no tecido ósseo resultando em uma melhora da densidade mineral óssea, o que pode ser um potencial fator preventivo da osteoporose. Outros autores demonstraram que ratos alimentados com oligofrutose/inulina absorvem mais cálcio e magnésio do que ratos controles, apesar de um aumento na massa fecal total (3).

O aumento da absorção de cálcio deve-se ao aumento da disponibilidade da transferência do cálcio do intestino delgado para o intestino grosso e o efeito osmótico da inulina e da oligofrutose pela transferência de água no intestino grosso. A melhora da absorção foi associada com a diminuição do pH do íleo, ceco e conteúdo colônico, resultando em aumento da concentração de minerais ionizados, condição esta que favorece a difusão passiva, hipertrofia das paredes do ceco e aumento da concentração de ácidos graxos voláteis, ácidos biliares, cálcio, fósforo, fosfato e em menor extensão o magnésio no conteúdo cecal. Resultados relatados por Levrat (1993) e Ohta (1994) sugerem que o efeito da fermentação no ceco foi importante para a absorção de cálcio (3).

Além disso, dados epidemiológicos têm demonstrado evidências de que o consumo de alimentos com alto teor de fibras pode reduzir o risco de certos tipos de câncer, principalmente, cólon, reto e mama (4,5).

Goodman MT et al. conduziram, entre 1985 e 1993, estudo caso-controle com mulheres de várias etnias no Hawaí (japonesas, caucasianas, nativas do próprio Hawaí, filipinas e chinesas). Os resultados demonstraram que o maior consumo de produtos de origem vegetal era seguido pelo aumento da ingestão de fibras e baixo teor de calorias proveniente de gorduras, e que, ao mesmo tempo, tais fatores se correlacionam com o menor risco de câncer de endométrio (6).

Michels KB et al., em estudo prospectivo de coorte, estudaram 76.947 mulheres e 47.279 homens, no Health Professionals Follow-up Study. Os resultados não indicam importante associação entre a baixa ingestão de fibras e o câncer colorretal, porém revelam que o consumo de fibras pode corroborar com a menor incidência de câncer quando a ingestão está presente juntamente com outros fatores na alimentação e com estilo de vida dos indivíduos (7).

O papel das fibras dietéticas não se restringe apenas à prevenção do câncer: as fibras também atuam no controle do peso corpóreo, dislipidemia, hipertensão, doença cardiovascular, diabetes e melhora da sensibilidade à insulina (8).

A utilização de fibras, principalmente proveniente de frutas, demonstra bons resultados no controle do peso corpóreo. Em resposta aos efeitos intrínsecos, ocorre maior sensação de saciedade e menor consumo de alimentos com alto teor energético entre as refeições. A secreção de hormônios ou peptídeos intestinais como colecistoquinina ou peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) regula o estímulo da secreção pancreática, do esvaziamento gástrico, a homeostase da glicose e, indiretamente, a saciedade (9).


O consumo de fibras solúveis e insolúveis está inversamente associado à resistência à insulina. Isso evidencia que o alto consumo de fibras aumenta a sensibilidade à insulina em indivíduos saudáveis ou portadores de diabetes mellitus (10).

Estudos clínicos e experimentais sugerem que dieta contendo grãos ricos em fibras, frutas e vegetais diminui significativamente a necessidade de medicamento anti-hipertensivo e ajudam a controlar a pressão sangüínea em indivíduos com hipertensão (11).

O efeito protetor das fibras dietéticas sobre a menor incidência de câncer de cólon e reto, dislipidemias, diabetes e doenças coronarianas independe da característica solúvel ou insolúvel das fibras. Além disso, os benefícios da fibra podem ser somados à presença de compostos ativos como minerais, vitaminas, fenóis e fitoestrógenos, ao contribuir com as características saudáveis dos alimentos de origem vegetal (10).

O menor consumo de fibras é sempre substituído com aumento na ingestão de açúcares simples, gorduras saturadas e diminuição no consumo de vitaminas antioxidantes (por exemplo, a vitamina C) e minerais (cálcio). Esses fatores podem promover obesidade, ocorrência de constipação, desconforto intestinal, hemorróidas, hérnia hiatal, doença diverticular, certos tipos de câncer, desequilíbrio no metabolismo dos carboidratos, alterações metabólicas nos níveis de lipoproteínas plasmáticas, diminuição de HDL e aumento de LDL, e maior suscetibilidade a doenças coronarianas. Não existem dúvidas de que a baixa ingestão de fibras traz, ao longo do tempo, conseqüências indesejáveis à saúde. Conhecendo os benefícios e malefícios das fibras, a recomendação do consumo de dietas ricas em fibras ou suplementos de fibras deve fazer parte do planejamento dietético de indivíduos saudáveis assim como em populações de risco com o intuito de prevenir ou minimizar os riscos de diferentes doenças.


Claudia Cristina Alves
Nutricionista. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia do Laboratório de Fisiologia e Distúrbios Esfincterianos (LIM 35) da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo.

Referências:
1. James SL, Muir JG, Curtis SL, Gibson PR. Dietary fibre: a roughage guide. Intern Med J. 2003;33(7):291-6.

2. Marlett JA, McBurney MI, Slavin JL. American Dietetic Association. Position of the American Dietetic Association: health implications of dietary fiber. J Am Diet Assoc. 2002;102(7):993-1000.

3. Kaur, N., Gupta,A.K. Applications of inulin and oligofructose in health and nutrition.J.Biosci.2002;27(7):703-714

4. Cummings JH, Bingham SA, Heaton KW, Eastwood MA. Fecal weight, colon cancer risk, and dietary intake of nonstarch polysaccharides (dietary fiber). Gastroenterology. 1992;103(6):1783-9.

5. Prentice RL. Future possibilities in the prevention of breast cancer: fat and fiber and breast cancer research. Breast Cancer Res. 2000;2(4):268-76.
6. Goodman MT, Wilkens LR, Hankin JH, Lyu LC, Wu AH, Kolonel LN. Association of soy and fiber consumption with the risk of endometrial cancer. Am J Epidemiol. 1997;146(4):294-306.

7. Michels KB, Fuchs CS, Giovannucci E, Colditz GA, Hunter DJ, Stampfer MJ, Willett WC. Fiber intake and incidence of colorectal cancer among 76,947 women and 47,279 men. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2005 ;14(4):842-9.

8. Galisteo M, Duarte J, Zarzuelo A. Effects of dietary fibers on disturbances clustered in the metabolic syndrome. J Nutr Biochem. 2007 Jul 5; In Press.

9. Pereira MA, Ludwig DS. Dietary fiber and body-weight regulation. Observations and mechanisms. Pediatr Clin North Am. 2001;48(4):969-80.

10. Ylonen K, Saloranta C, Kronberg-Kippila C, Groop L, Aro A, Virtanen SM; Botnia Dietary Study. Associations of dietary fiber with glucose metabolism in nondiabetic relatives of subjects with type 2 diabetes: the Botnia Dietary Study. Diabetes Care. 2003;26(7):1979-85.

11. Burke V, Hodgson JM, Beilin LJ, Giangiulioi N, Rogers P, Puddey IB. Dietary protein and soluble fiber reduce ambulatory blood pressure in treated hypertensives. Hypertension. 2001;38(4):821-6.

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